Já foi dito: "Não apagues a tua tocha, pois pode ser a luz que vai iluminar as gerações futuras."
Djelal eddin Rumi


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

EU SOU UM MENTIROSO — Alberto Moravia

Quero deixar isto bastante claro: meus trabalhos não são autobiográficos, no significado habitual da palavra. Talvez eu possa pôr isto deste modo: tudo que é autobiográfico [em minha obra] é assim só de uma maneira muito indireta, de um modo muito geral. Eu não uso, e nunca usei, acontecimentos ou personagens diretamente da vida. Eventos podem sugerir eventos a serem usados mais tarde num trabalho; semelhantemente, pessoas podem sugerir personagens futuras; mas sugerir é a palavra a se lembrar. A gente escreve sobre o que a gente sabe. Sim, a gente usa o que a gente sabe, mas autobiografia significa qualquer outra coisa. Eu nunca seria capaz de escrever uma verdadeira autobiografia; eu sempre termino falsificando e ficcionando. Na verdade, eu sou um mentiroso. Isso significa que, no fim das contas, eu sou um romancista.
Em minha visão, a função de um escritor não é criticar, em caso algum; só criar personagens vivos. Só isso.

Paris Review
Alberto Moravia, A Arte de Ficção Nº 6, 1954
Entrevistado por Anna Maria de Dominicis e Ben Johnson

sábado, 27 de dezembro de 2014

O ENREDO

A sequência de acontecimentos numa narrativa tem dois aspectos.
História é a sequência cronológica.
Enredo é a organização expressiva dos acontecimentos, para emocionar o leitor.

Se a transição entre os acontecimentos segue uma relação de causa e efeito, a história é linear, com o interesse centrado apenas no que vem a seguir, em ordem cronológica.

Uma série de acontecimentos, aparentemente desconectados, levando o leitor a vacilar na interpretação do texto, obrigando-o a imaginar o que pode estar acontecendo, despertando sua atenção, obtendo sua participação, levando-o a crer no que está sendo contado, iludindo-o com o inesperado... Isso é o enredo. A arte de contar uma história.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O IMPULSO DE ESCREVER — Su Tungpo

Os escritores, nos tempos antigos, escreviam, não por terem decidido que queriam escrever, mas porque não podiam deixar de escrever. Isso é igual às nuvens e às flores das plantas, que se formam de modo natural, em consequência do acúmulo de certas forças. Precisam buscar expressão para o que existe neles.

Su Tungpo, Prefácio aos Poemas da Viagem para o Sul.
Em A Importância de Compreender, de Lin Yutang.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

sábado, 20 de dezembro de 2014

ELEMENTOS DO CONTO

Um conto, sendo uma história curta, pode ser constituído por apenas um período.
Mas em geral a gente quer se expandir um pouco mais, desenvolver algum fato, falar de algum incidente significativo ou imprevisível, enfim, um acontecimento. Que pode até ser narrado em apenas um período.
Assim, o acontecimento é o primeiro componente do conto.

Se o acontecimento é tudo que tem no conto, esse pode divertir, mas não emocionar. Não passa de uma anedota.
Seja qual for o tipo de personagem — coisa ou gente — suas emoções é que vão atrair a participação, a empatia do leitor. Há personagens marcantes, cujo caráter se torna paradigmático. É o caso de Nick, de muitos contos de Hemingway.
Então, o personagem é o segundo elemento do conto.

Mesmo que o conto se passe no espaço sideral, esse ambiente tem que ser descrito. As circunstâncias em que se encontra o personagem precisam ser mostradas ao leitor. O lugar é crítico e isso tem que ficar bem claro — explícito.
Para criar o ambiente e as circunstâncias é preciso ter algo que envolva o leitor.
Uma boa descrição é o terceiro elemento da história.

Há lugares que passam uma sensação de bem-estar, de tranquilidade. Outros constrangem, geram ansiedade e desconforto. A atmosfera do lugar é fundamental para criar no leitor a predisposição de acreditar na história. Essa atmosfera liga-se direto com os sentimentos do personagem.
O quarto elemento do conto é a ambiência, a atmosfera.

Os elementos iniciais de uma história curta são, portanto, acontecimento, personagem, descrição e atmosfera.
Parece simples, mas esses elementos bem elaborados podem resultar em contos magníficos.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ESCREVER NÃO É UMA PROFISSÃO — Georges Simenon

Escrever é considerado uma profissão, mas eu não penso que seja uma profissão. Penso que qualquer um que não precise ser um escritor, que pense ser capaz de fazer qualquer outra coisa, deve fazer essa outra coisa qualquer. Escrever não é uma profissão, mas uma vocação para a infelicidade. Eu não penso que um artista possa, em tempo algum, ser feliz.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

SE EU NÃO TIVESSE EXISTIDO — Faulkner

Se eu não tivesse existido, outra pessoa teria escrito minhas histórias, Hemingway, Dostoievski, todos nós. Prova disso é que há aproximadamente três candidatos para a autoria das peças teatrais de Shakespeare. Mas os que é importante é Hamlet e o Sonho de Uma Noite de Verão, não quem as escreveu, mas o fato de que alguém o fez. O artista não tem nenhuma importância. O que ele cria é importante, já que não há nada de novo a ser dito. Shakespeare, Balzac, Homero, todos escreveram sobre as mesmas coisas, e se eles tivessem vivido mil ou dois mil anos mais, os editores não teriam precisado de ninguém mais desde então.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

SEU PRÓPRIO SENSO DE ESTILO — Kenzaburo Oe

Fundamentalmente, um bom escritor tem o seu próprio senso de estilo. Há uma voz natural, profunda, e aquela voz está presente desde o primeiro rascunho de um manuscrito. Quando ele ou ela elaboram o manuscrito inicial, isso continua fortalecendo e simplificando aquela voz natural, profunda. Enquanto eu estava nos Estados Unidos, ensinando em Princeton entre 1996 e 1997, eu consegui ver uma cópia do manuscrito original do Huckleberry Finn de Mark Twain. Eu li cem páginas mais ou menos e gradualmente percebi que desde o princípio Twain tivera um estilo exato. Até mesmo quando ele escrevia um inglês impuro, tinha uma espécie de música. Isto o torna mais claro. Aquele método de elaboração vem naturalmente a um bom escritor.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

EU ESCREVO TODA MANHÃ — Ernest Hemingway

Quando estou trabalhando num livro ou numa história, escrevo todas as manhãs, assim que surge a primeira luz do dia. Não tem ninguém para perturbá-lo, e está fresco ou frio, e você vem para o seu trabalho e esquenta à medida que escreve. Você lê o que já escreveu e, como você sempre pára quando sabe o que vai acontecer em seguida, você prossegue daí. Você escreve até que chega a um ponto em que você ainda tem seu suco e sabe o que acontecerá em seguida, e você pára e tenta viver até o próximo dia, quando você pega isto novamente. Você começou às seis da manhã, vamos supor, e pode ir até o meio-dia ou pode terminar antes disso. Quando você pára está tão vazio, e ao mesmo tempo nunca vazio mas se reenchendo, como quando você fez amor com alguém que você ama. Nada pode feri-lo, nada pode acontecer, nada significa qualquer coisa até o próximo dia, quando você faz isto novamente. É a espera até o próximo dia que é difícil de transpor.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A IMAGINAÇÃO E A TÉCNICA DE ESCREVER

O poder da imaginação nasce com a pessoa. Os meios de expressão podem ser adquiridos.
Mesmo Leonardo da Vinci e Michelangelo passaram por um longo aprendizado das técnicas artísticas, antes de criar suas obras geniais.
James Joyce estudou gramática, ortografia, figuras de estilo, tipos de versos, formas de poemas, enfim, os recursos técnicos necessários para desenvolver suas poesias, contos e romances.
Os talentos e as capacidades são diferentes e individuais. Não podem ser transmitidos nem ensinados.
Mas a parte técnica pode ser ensinada e deve ser aprendida. É importante conhecer todos os elementos de estilo. No entanto, cada um deve tomar para si apenas aqueles recursos que lhe servem bem para expressar aquela mensagem única que tem a manifestar.
O cirurgião, antes de atender um paciente, deve praticar as técnicas de sua arte e adquirir a habilidade necessária para operar.
À semelhança de Leonardo e Michelangelo, o escritor aprendiz deve adquirir a habilidade técnica que lhe permita realizar um trabalho excelente e duradouro.

sábado, 29 de novembro de 2014

NO MEIO DO CAMINHO — Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.