Já foi dito: "Não apagues a tua tocha, pois pode ser a luz que vai iluminar as gerações futuras."
Djelal eddin Rumi


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A MAIORIA NUNCA LÊ ALGO DUAS VEZES — C. S. Lewis

C. S. Lewis escreveu As Crônicas de Nárnia, entre outras obras.

A MINORIA E A MAIORIA [Excertos]

A maioria nunca lê algo duas vezes. O signo inequívoco de que alguém carece de sensibilidade literária consiste em que, para essa pessoa, a frase "Já li" é um argumento inapelável contra a leitura de determinado livro. Por outro lado, quem gosta das grandes obras lê um mesmo livro dez, vinte ou trinta vezes ao longo da vida.

Embora dentro da maioria existam leitores habituais, estes não apreciam particularmente a leitura. Só recorrem a ela em última instância. Abandonam-na com presteza tão logo descobrem outra maneira de passar o tempo. Reservam-na para as viagens de trem, para as enfermidades, para os raros momentos de solidão obrigatória, ou para a atividade que consiste em "ler algo para conciliar o sono". Às vezes a combinam com uma conversa sobre outro tema, ou com a audição do rádio. Por outro lado, as pessoas com sensibilidade literária estão sempre em busca de tempo e silêncio para entregar-se à leitura, e concentram nela toda a atenção. Se, ainda que apenas por uns dias, essa leitura atenta e sem perturbações lhes é vedada, sentem-se empobrecidos.

Para esse tipo de pessoas, a primeira leitura de uma obra literária costuma ser uma experiência tão transcendental que só admite comparação com as experiências do amor, da religião ou do luto. Sua consciência sofre uma transformação muito profunda. Já não são as mesmas. Por outro lado, os outros leitores não parecem experimentar nada semelhante. Quando terminam a leitura de um conto ou um romance, não parece que no total lhes tenha sucedido algo mais significativo.

Como resultado natural de suas diferentes maneiras de ler, a minoria conserva uma lembrança constante e nítida do que leu, enquanto a maioria não volta a pensar nisso*. No primeiro caso, os leitores gostam de repetir, quando estão sós, seus versos e estrofes favoritos. Os episódios e personagens dos livros lhes proporcionam uma espécie de iconografia de que se valem para interpretar e resumir suas próprias experiências. Costumam dedicar bastante tempo a comentar com outros suas leituras. Por outro lado, os outros leitores raramente pensam nos livros que leram e nunca falam sobre eles.

C. S. Lewis, A Experiência de Ler

* Isso não se aplica a Montaigne, que não pode ser acusado de ser um leitor comum, embora tivesse péssima memória de suas leituras.

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